I
Neste texto, focaremos as nossas atenções para as fontes que sustentarão a síntese de uma nova alternativa económica de olhos postos no futuro, porém, inspirada nas lições da história. Vamos abordar quatro temas fundamentais numa proposta económica, como o papel da propriedade, o modelo de trabalho, o modelo fiscal e o contrato social entre Estado e cidadão.
Primeiramente, responderemos a uma das perguntas mais importantes do atual debate económico à direita: é possível ter um mercado livre não capitalista?
Sim. Eu recuso a maioria das definições hodiernas de capitalismo, onde o foco recai na existência e predomínio da propriedade privada e baixa regulação, ignorando a relação do poder político (enquanto elemento mais importante para definir um sistema económico ou político) perante esse mesmo sistema.
Defino, minimalistamente, o capitalismo como um sistema económico hierárquico em função do capital privado. O termo “função” é a chave, pois pressupõe que é o capital privado que guia e dirige as ações do sistema, assim como os objetivos.
Neste caso:
O socialismo não é capitalista porque existe em “função” do social ou coletivo. O socialismo é o coletivismo aplicado à política no Estado Moderno e que usa esse mesmo Estado para gerir e ordenar os recursos. Aqui, o Estado Moderno subjuga o capital privado em função do que considera ser mais útil.
“Portanto, a China tem uma economia de mercado vibrante, mas o capital não se eleva acima da autoridade política. O capital não tem direitos consagrados. Na América, o capital — os interesses do capital e o próprio capital — elevaram-se acima da nação americana. A autoridade política não consegue controlar o poder do capital, e é por isso que a América é um país capitalista e a China não.”
Eric Li
The Coming War on China
Esta distinção é importante, pois até a Igreja tem aspetos coletivistas, dado que realça a importância do grupo ou coletivo sobre o indivíduo em algumas das sua narrativas e ações, mas não é socialista pela sua oposição histórica face ao Estado Moderno.
Até um libertário minarquista, defensor do Estado mínimo, acabaria por ser minimamente coletivista, dado que defende o uso da coerção para recolher recursos e impor uma ordem de segurança com base em polícias, forças armadas e justiça. Seria socialista por defender tal proposta?
Não, pois o libertarianismo é capitalista e tem raízes na I via, já o socialismo nasce como resposta à I via, tendo tido diferentes formas na II, III e IV via já exploradas na parte anterior deste capítulo.
O que nós precisamos é de algo que transcenda esta concorrência. Algo que não seja apenas mais uma forma de socialismo ou liberalismo e suas separações, mesmo que possamos ser mal acusados de coletivistas por alguns, pois a mera existência do Estado é uma forma de coletivismo, ou de individualistas por outros, dada a nossa ênfase na soberania idealizada no Super Homem (Übermensch) portuguez e europeu do Futuro que queremos construir através da eliminação de obstáculos criados pelo próprio Estado Moderno.
Esta nova via não poderá ser liberal, pois não acredita na democracia liberal e na defesa do Estado Moderno (centralizado) para “defender” o indivíduo à sua própria custa. Esta nova via não poderá ser socialista, pois não acredita no Estado Moderno.
Seria a única teoria política que não teria um complexo em assumir a preferência por um monarca soberano como nas primeiras dinastias portuguezas ou um Estado Papal em comparação com um Presidente de uma república estruturada no Estado Moderno centralizador.
Contudo, não poderá ser nem teocrática nem exclusivamente monárquica sob pena de incorrer numa forma de fundamentalismo regimental. Tal erro seria destrutivo para uma teoria que quer ser Futurista e não saudosista, logo, faria mais sentido estar aberta a várias possibilidades, desde que não tenha o Estado Moderno centralizador como predefinido.
No que toca ao referido coletivismo, os puros nesta matéria seriam os libertários anarcocapitalistas que defendem a inexistência do Estado numa anarquia conclusivamente hierárquica e em função do capital como meio de comunicação de valor nas relações entre agentes sociais.
Já o marxismo, é uma forma de socialismo e não é capitalista (também) porque pretende acabar com o capital.
O fascismo é uma forma de socialismo, mas foca-se no coletivo da nação (conceito também, mas não necessariamente étnico/racial), tendo o Estado como meio e fim último da personificação nacional. Também o nacional-socialismo é uma forma de socialismo, logo, não capitalista, mas foca-se no coletivo étnico-racial.
Se quisermos fugir para outros exemplos de coletivismo não socialistas e anteriores ao Estado Moderno, podemos usar o exemplo do tribalismo que não requer o uso de um Estado para cumprir a sua “função” existencial. É facilmente reconhecido que formas de tribalismo já tinham existido antes do Estado Moderno.
O nacionalismo em si, mais ou menos aberto ao livre mercado dependendo de quem o defende, é uma forma de coletivismo se for praticado em função do coletivo nacional e não em função de interesses não nacionais. Claro que o próprio nacionalismo leva a debates dentro da própria comunidade. Será que o nacionalismo cívico é “nacionalismo”? Eu não apoio essa tese, pelo que o nacionalismo para existir em “função” da nação teria de ser necessariamente étnico.
Naturalmente, dentro destas caixas existem sempre fações e vertentes. Por exemplo, o liberalismo, nacionalismo e até o próprio marxismo estão repletos delas.
Como já foi referido noutros textos, nem todo o socialismo é de esquerda. O critério utilizado para definir a direita permite que se coloquem coletivistas neste campo, dado que o fim último da direita não deve ser materialista e focar-se apenas na economia, além de ter em consideração questões mais importantes que transcendem o materialismo contemporâneo (per se enviesado na definição do que é esquerda e direita).
Por último, o liberalismo é o sistema económico privilegiado do capitalismo, dado que existe em “função” da maximização da liberdade (mesmo sendo incoerentemente igualitários) e o uso de capital para influenciar tal sistema só seria possível no sistema económico capitalismo (devido à liberdade para trocar ações por capital com fins políticos).
É perfeitamente legítimo e normal que muitos leitores discordem deste raciocínio. Simplesmente, considero que se tivesse de identificar padrões taxonómicos coerentes, acabaria com estas conclusões e padrão.
Uma vez respondida a pergunta, passamos para a exemplificação da defesa de um mercado livre sem capitalismo, sabendo que o termo “livre” é em si debatível.
“O capitalismo não prospera sem o apoio do Estado, que, através de leis e privilégios, protege os grandes proprietários contra a competição e perpetua a sua dominação.”
Hilaire Belloc
(An Essay on the Restoration of Property, 1936)
Sobre a liberdade, quem se foca na liberdade negativa e na ausência de um empurrão externo da economia para existir a capacidade de fazer algo coletivamente (liberdade positiva), terá uma análise sob o prisma capitalista/liberal do termo.
Se, por outro lado, existir um foco na ausência de liberdade para uma entidade privada conseguir impingir a sua vontade num trabalhador que queira ou precise de fazer algo correspondente às necessidades da natureza humana, ou um foco no uso de uma entidade com representação e meios coletivos para influenciar os resultados económicos e sociais de um grupo (liberdade para criar algo (positiva)), estaremos perante uma análise sob o prisma socialista ou coletivista do termo.
A análise que apresentarei pretende elevar-se e sintetizar tais sentimentos, o que faz sentido por ter surgido num contexto de III via económica.
“O capitalismo não é o mesmo que um mercado livre; é um sistema que, ao concentrar a propriedade nas mãos de poucos, conduz inevitavelmente ao Estado Servil, onde a maioria não é livre, mas dependente.”
Hilaire Belloc
(The Servile State, 1912)
II
Numa aproximação reformista e não revolucionária na III via, existiu o distributismo, ou, a defesa da descentralização da propriedade através da propriedade privada generalizada (não confundir com coletiva onde é de “todos”).
Recusou o capitalismo e socialismo marxista, mas não quis ser uma abordagem de "meio-termo" para ficar no espectro entre os dois. Em vez disso, queria sair do espectro. Esta ideia começou a tomar forma no final do século XIX e início do século XX, como forma de aplicar os ensinamentos sociais católicos às questões económicas.
É fundamentado nos ensinamentos da encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, já referida na última parte deste capítulo, e por isso defende que os meios de produção privados devem ser distribuídos o mais amplamente possível, controladas pelo maior número de pessoas possível.
Algumas das principais áreas de foco no pensamento distributista são:
A propriedade generalizada,, especialmente a propriedade produtiva (terras, ferramentas, etc.).
Subsidiariedade e localismo, onde as decisões devem ser tomadas ao nível mais local possível.
Família e comunidade, onde a família é a célula base da sociedade e a economia deve servir comunidades fortes.
Guildas e cooperativas como modelos ideais para a organização económica.
A ausência de propriedade nos jovens da minha geração é um grave problema, pois sem propriedade uma pessoa não é livre (soberana). Na propriedade recai a soberania material de alguém, e quem quer uma sociedade de leões em vez de carneiros, tem que reconhecer que a obtenção de propriedade pelo maior número de agentes possíveis é necessária para se concluir tal objetivo.
Um problema que ocorre tanto no socialismo como no capitalismo, é a concentração da propriedade produtiva nas mãos de um pequeno número de pessoas, oposto ao princípio orientador do distributismo de que a posse de propriedade produtiva deve ser o mais ampla possível.
G. K. Chesterton argumentou que o capitalismo transformava a maioria dos indivíduos em trabalhadores assalariados, desprovidos de propriedade produtiva, como forma de servidão económica. Numa era de ampla divulgação e obtenção de informação, vou mais longe e digo que é problemático o facto de cada vez mais famílias não terem propriedade para desenvolver meios para não serem exclusivamente dependentes de grandes cadeias comerciais de consumo.
“O homem moderno não é um produtor, mas um assalariado; ele não possui a terra ou as ferramentas, mas trabalha para aqueles que as possuem. Isso não é liberdade, mas servidão.”
G. K. Chesterton
(What’s Wrong with the World, 1910)
Um dos princípios do distributismo é que quando uma grande percentagem de pessoas são proprietárias, e não apenas assalariadas, surgem benefícios para o coletivo. Por exemplo, o gap de influência dos grandes atores económicos nos diferentes setores económicos (e na política) diminui face aos pequenos produtores.
Isso não acontece no capitalismo ou socialismo marxista.
No capitalismo, o número de agentes detentores da maior parte da propriedade produtiva tende a ser pequeno, e, com o tempo, essa riqueza e propriedade torna-se ainda mais concentrada. Enquanto isto acontece, torna-se mais difícil para os negócios de menor dimensões competir com os grandes, especialmente se estes tiverem mais influência junto daqueles que dominam a libertação de capital com juro, sendo contraproducente para a criação de competição.
Já no socialismo marxista, um pequeno número de líderes governamentais controla as empresas estatais e as propriedades produtivas enquanto tomam decisões. Se tomarem más decisões, o dinheiro gerado pelo trabalho dos trabalhadores será mal utilizado.
Relembrando as origens da série sobre o Soberanismo1 e as fações à direita que procura sintetizar, é fácil ver que a “direita” da lagosta (petersoniana) defende o panorama capitalista, embora de maneira diferente dos libertários que querem este mesmo capitalismo. Eu sinto que ao longo deste texto os libertários acabarão por ter opiniões mistas, pois em alguns momentos irão concordar muito e noutros irão discordar (especialmente na crítica ao capitalismo), mas essa é a consequência da natureza de nicho mais radical (especialmente nas questões económicas) de uma ala que vai sentir-se (presumo) múltiplas representada ao longo deste capítulo.
A direita do sapo e do peixe sentem-se representadas com esta visão económica por outros motivos. A direita do peixe quer mais ética na economia e geralmente não é oposta aos ideais distributistas devido à inspiração nos valores cristãos. Muitos cristãos optaram por apoiar a democracia cristã no pós II Guerra, porém, tal não passa de um erro já que a democracia cristã é, na sua base, antagónica aos valores cristãos pela aceitação e complacência com o Estado Moderno.
Já a direita do sapo, é nitidamente geracional e não há mais ninguém frustrado com a concentração da propriedade privada (ou estatal) do que a minha geração, desprovida de oportunidades e segurança económica.
Contudo, para alguns, o distributismo pode ser visto como uma variante idealista e burguesa do sindicalismo. Eu discordo que tenha de ser burguês, pois também poderá ser aristocrático ou popular se a população assim quiser.
Claro que na contemporaneidade venceu a burguesia, e por isso os burgueses seriam um grupo com destaque ao contrário dos nobres descendentes das aristocracias tradicionais zombificadas. Por mais que eu não goste da burguesia ideológica, o pragmatismo leva a que assim tenha de ser para mudarmos o sistema atual, transferindo o poder da alta burguesia para a elite política vanguardista, em troca de um benefício à média e pequena burguesia da classe média decadente que historicamente sempre disse “presente” nas vitórias da direita.
Voltando às crenças do distributismo, esta teoria acredita que os ativos de todos devem ser protegidos, mas não deve haver uma situação em que as empresas gigantes monopolizem ativos ou que algumas pessoas não tenham ativos - porque se assim for, este pequeno grupo de pessoas ainda será explorado. Atualmente, sabemos que indivíduos bilionários como Bill Gates têm agido de forma a centralizar propriedade protegida pelo Estado. Quem vai ser descapitalizado por “usar” tais propriedades? A classe baixa ou média decadente.
Queremos uma civilização forte? Certamente não será com mais concentração de capital (sinónimo de poder no capitalismo) naqueles que a querem destruir.
III
Concretamente, quais as raízes operacionais deste sistema? Numa raiz teórica materialista, existe o reconhecimento de que é através da propriedade e do trabalho que se pode produzir algo de valor que outra pessoa queira comprar.
Por exemplo, a infraestrutura e equipamentos de uma empresa são a "propriedade produtiva" ou “capital fixo”, porque são utilizados para produzir os bens. Para um agricultor, a sua terra e equipamento agrícola são propriedade produtiva. No caso de um médico, a propriedade produtiva pode ser o equipamento médico que utiliza e o consultório onde atende os doentes.
Devido à necessidade e interesse em colocar várias propriedades produtivas a competir, um distributista médio aceitaria que uma empresa com posse/controlo/fornecimento maior do que, por exemplo, 1% do PIB nacional ou 3% de qualquer sector (matérias-primas, serviços pessoais, retalho etc.) ou mais do que 30% de qualquer bem ou serviço específico que não seja da sua propriedade patenteada, deve ser dividida em duas ou mais empresas distintas, diretamente concorrentes e não relacionadas.
Esta seria uma ideia popular entre os distributistas, pois é feita à base do contexto de supremacia das instituições do Estado Nação sobre a globalização na transição do século XIX para o XX. Hoje, apenas convidaria à descapitalização facilitada pela mobilidade das empresas e isso seria catastrófico para a competição intercivilizacional.
Contudo, existem algumas propostas menores dentro da comunidade distributista que eu considero de valor, como por exemplo as grandes empresas/sociedades de ações estarem sujeitas a mais restrições do que outros tipos de negócios pela influência direta que têm na classe política, assim como os ganhos que a própria classe política tem tido com estas empresas (refiro-me concretamente ao inside trading e ao lobby).
Noutro caso, e dada a preferência pela criação autónoma de cooperativas, estas tomarão as decisões por voto de todos os associados, podendo existir votos desiguais mas não desiquilibrados. Noutra ideia que segue a lógica distributista, as cooperativas (ou até mesmo empresas que operem no território) não poderiam empregar mais do que uma quantidade de x pessoas sem serem sujeitas a uma votação pelos seus fundadores e colaboradores, ou até uma separação entre fundadores, de forma a evitar grandes concentrações e expansões sem consulta da comunidade trabalhadora que está a par da realidade sentida no local de trabalho.
Um trabalhador que se torne mais produtivo por ter melhores condições de trabalho é mais barato do que dois trabalhadores que têm poucas condições de trabalho e produtividade, enquanto isso, num mercado onde há menos barreiras para se trabalhar e a uma escala mais pequena, esse trabalhador tem menos concorrência e valoriza-se. Eu foco-me assumidamente na perspetiva do trabalhador, sem ignorar o empreendedor, pois se a direita continuar a ignorar esta peça chave do nosso país, vai perder no desafio demográfico e económico.
Ora, uma cooperativa é uma empresa detida a 100% pelos seus membros. Por exemplo, um grupo de agricultores ou um grupo de designers de websites pode formar uma cooperativa de trabalhadores, o que lhes permite operar de forma mais eficiente do que num trabalho individualizado. Cada membro da cooperativa tem uma participação acionista, o que significa que cada membro tem uma voz ativa na forma como o negócio é operado e recebe uma parte dos lucros do negócio.
Um exemplo concreto é o caso do modelo das mercearias organizadas como cooperativas de consumo, legalmente previstas no Decreto-Lei n.º 522/99 de 10 de Dezembro (Diário da República). Neste caso, as pessoas que compram são os proprietários e membros, com a possibilidade de votar na forma como a loja opera e partilha os seus lucros, geralmente sob a forma de descontos com base no valor daqueles que compraram.
Além deste exemplo mais próximo, existem muitos exemplos de cooperativas bem-sucedidas a nível internacional. Na Europa, existem grandes cooperativas como a espanhola Mondragon (uma federação de cooperativa com mais de 70 mil cooperados que abrange vários setores) e a inglesa The Cooperative Group (uma cooperativa de consumidores).
Nos Estados Unidos, existem várias cooperativas de crédito, numa rede de instituições financeiras cooperativas que oferecem serviços financeiros aos seus membros, com foco em crédito, poupança e investimento. Por exemplo, a Navy Federal Credit Union é a maior cooperativa de crédito no mundo, com milhões de membros. A regulação das cooperativas de crédito nos EUA é feita pela National Credit Union Administration (NCUA), e não pelo FED.
Existem também várias marcas e lojas de consumo conhecidas, como a Shoprite, Land O'Lakes e ACE Hardware, que estão organizadas como cooperativas e operam em diferentes setores.
Uma vez demonstrado que este modelo existe e é praticável, é importante notar que o distributismo tolera as hierarquias, o que é fulcral para não cair no igualitarismo fundacional da esquerda.
A possibilidade de existir uma hierarquia social e intercooperativa permite que os modelos continuem a ter lideranças sob o seu próprio risco e propriedade, porém, privilegiando a cooperação como meio de angariação de capital e de serviços que se complementam e tornam mais autónomos e fortes (soberanos).
Esta ressalva é importante pois os atuais detentores e centralizadores de capital, dos quais os Estados estão dependentes para ter “sucesso” económico, são antagónicos à perda da sua hierarquia.
Face à necessidade de se internacionalizar este conjunto de valores, é importante notar que ambas as teorias liberais e marxistas são internacionalistas, no sentido em que pretendem expandir a sua visão ao exterior e acreditam que tal expansão coordenada leva ao sucesso da sua teoria em expansão. Ao contrário da III via, embora a IV tenha esse laivo internacionalista, eu considero que podemos e devemos querer que seja internacionalista, mas acima de tudo civilizacional – da civilização europeia e seu derivados.
Claro que devemos procurar a expansão para os outros países da nossa civilização, mas não é do meu interesse que os países das restantes civilizações adotem a teoria que eu considero que os iria fortalecer. Além do mais, esta é uma visão política ajustada às normas e instituições que são exclusivas e herdadas dos povos pré fundacionais da civilização europeia (a serem exploradas num capítulo próprio).
Perante isto, não podemos criar uma teoria que fique à espera da mudança em sítios que não controla. Devemos olhar também a nível nacional, e por isso afirmo que a práxis nos obriga a não ter mais descapitalização no nosso país.
Consequentemente, devemos dirigir-nos para uma reorganização do domínio político sobre a economia, de forma a que não exista um desiquilíbrio, nem para a permissão do excesso e possível influência política sobre a vida do país, nem para o possível afastamento destas entidades pela regulação. É preferível regular menos mas mais diretamente (e previsivelmente), do que o atual cenário que se assemelha a um teia confusa de bloqueios.
IV
Mas afinal, o que não é o distributismo? O distributismo não é um grande projeto de utopia que deva ser feito da forma "correta". É um conjunto de princípios para o mundo real. Aliás, já tive a oportunidade de discutir com um distributista que me argumentou que a Uber é uma forma de distributismo. O trabalhador usa o seu carro, uma propriedade sua, para produzir valor sob proteção e guia de uma estrutura superior a ele. O ponto é que o trabalhador tem o seu próprio meio de produção, pois eu discordo que o modelo da Uber em si seja o preferido do distributismo, ao invés da cooperativa.
O problema da falta de planos mais detalhados, somado ao contexto social e tecnológico diferente da época em que Chesterton e Belloc escreviam sobre o distributismo, é a escassez de ortodoxia nesta visão que corre o risco de ser interpretada numa forma excessivamente estatizante, pois não defende apenas a retirada dos obstáculos para a criação e sustentação da pequena propriedade, dado que a contrabalança com medidas restritivas da alta propriedade e capital. Por isso mesmo, não pretendo que se chame a esta via de distributista, pois apenas colheu noções importantes desta visão sem a incorporar totalmente.
Qualquer libertário citaria Mises em resposta à defesa de algumas das restrições à centralização de capital privado, onde este afirmou que “ cada passo (em) que nos afastamos da propriedade privada dos meios de produção e do uso do dinheiro, também nos afasta da economia racional”.
Certo, e conscientemente digo que a solução para a questão da produção económica deixou de ser uma prioridade civilizacional numa era de consumismo e desperdício.
O desígnio central da nossa via é a questão demográfica, pois a “demografia é destino”. É o tema e o problema do século, talvez do milénio se não for resolvido a tempo. A preferência temporal tem de ser alocada para resolver o atomismo social, a descapitalização das famílias e a ausência da descendência, pois nada mais interessará, mesmo nós tendo a consciência que o ideal seria uma comunidade consciente do seu valor, em harmonia e paz, que consegue criar valor cultural enquanto troca serviços e produtos entre si sem precisar de entidades externas que o imponham.
Esse é o pico máximo de uma sociedade de altíssimo valor, com um quociente cognitivo coletivo invejável mas ainda inexistente no nosso mundo. A civilização europeia tem todas as condições para lá chegar, quer pessoais, imateriais e materiais, mas para isso terá de existir – e até isso não é inevitável.
Finalmente, sobre a questão industrial, a civilização europeia precisa de indústria para vencer na competição com as restantes civilizações e impedir a formação de novas. A revolução industrial obrigou-nos a isto mesmo, um sistema onde se eu abdicar dessa “arma” estarei numa desvantagem existencial a não ser que todos se desindustrializem, mas ao contrário da bomba atómica, isso tem mais custos, riscos e não acontecerá até que uma dessas civilizações imponha uma Nova Ordem sobre as restantes.
A industrialização depende de economias de escala, o que significa que necessita de corporações em constante crescimento para fornecer bens e serviços de alto custo e valor. Não acredito que tal possa ser concretizando recorrendo apenas a pequenas empresas.
Sobre esta noção, também se pode dizer que o distributismo não proíbe todos os grandes projetos. Apenas dá tratamento preferencial às pequenas empresas. Assim, ninguém será autoritariamente preso por fabricar computadores em larga escala, mas poderá ter de cumprir as regras do corpo económico em que se está inserido e, no caso da V via, atuar em função da demografia como a prioridade principal do século em conjunto com soberania das famílias, das nações e da nossa civilização.
V
Referi anteriormente que precisávamos de uma reorganização do domínio político sobre a economia, de forma a que não existisse um desiquilíbrio permeável ao excesso e possível influência política sobre a vida do país, nem para o possível afastamento destas entidades por excesso de regulação. Essa solução seria uma forma de Livre Mercado Orgânico.
O livre mercado, enquanto pilar deste modelo, basear-se-ia na redução de barreiras estatais à iniciativa privada, promovendo a concorrência, a inovação e a eficiência económica. A baixa burocracia, concretizada na simplificação de licenças, alvarás, regulamentações, entre outras, reduz os custos operacionais das empresas, incentivando o empreendedorismo necessário.
A diminuição da carga fiscal, faseada em etapas até à chegada ao menor peso de imposto possível e ideal, por sua vez, pode passar por assumir um imposto único sobre o trabalho ou faturação, como no caso do IRS ou IRC, inspirado em modelos como o flat tax, que simplificam a administração tributária e aumenta a competitividade económica em termos relativos.
Por outro lado, vai buscar a essência orgânica ao corporativismo, enquanto componente complementar, de forma a organizar a economia em estruturas setoriais que integram empresas, trabalhadores e especialistas. Diferente do corporativismo referido na Revolução Económica Soberana (texto anterior da parte III), o modelo proposto é adaptado ao contexto de globalização e democracia herdada, enfatizando a autorregulação e colaboração.
As cooperativas referidas (não confundir com corporativas), são um modelo diferenciado que permite a partilha de recursos. Além das cooperativas e do discurso distributista, as Ordens associativas, por sua vez, funcionam como entidades setoriais que definem padrões éticos e técnicos, reduzindo a necessidade de intervenções estatais generalizadas que afetam ao nível micro, seguindo linhas gerais de leis magnas que são influenciadas pelo poder legislativo.
Mas, este modelo de Ordens já não existe em Portugal e não é amplamente criticado? Sim e não.
Primeiramente, é verdade que existem ordens herdadas do período anterior ao 25 de abril, porém, estão longe de obedecer ao nosso critério defendido. Por outro, o atual modelo não se coaduna com uma visão de livre mercado orgânico por vários motivos.
Em segundo, as Ordens são uma organização oficial que reúne os profissionais de uma área específica (advocacia, engenharia, medicina, etc.) para regular a atividade, garantir padrões éticos e técnicos, e representar os respetivos interesses. Na teoria, e de forma muito debatível em alguns casos, são profissões ligadas a direitos fundamentais dos cidadãos. Em Portugal, em 17 de 20 Ordens, só pode exercer a respetiva profissão quem está inscrito na Ordem.
Em terceiro, é importante realçar que até os mais liberais deste país não se opõem à existência de Ordens, mesmo reconhecendo que tal realidade é uma forma de corporativismo, devido à necessidade de regular profissões com impacto direto em direitos fundamentais (justiça, saúde, segurança, etc.) e com necessidade acrescida de uma “prática continuada séria e certificada”. O que é geralmente criticado, é a existência da defesa dos “interesses instalados” e não da competência ou inovação de quem quer entrar no sistema.
Como alternativa, argumento que o problema não é existir uma Ordem para uma atividade que não seja relacionada ao “impacto direto em direitos fundamentais”, pois todas as atividades têm impacto no coletivo e respetivos indivíduos. Perante isto, o problema não é a existência mas sim a forma como as dinâmicas e mentalidades estão estruturadas. É preciso distinguir a Ordem com inscrição obrigatória para o exercício de uma função pública (desempenhado de forma privada) da organização de um setor exclusivamente privado, por mais irrelevante que possa parecer, mas que tem impactos no nosso dia a dia.
Nem tudo e todos serão igualmente importantes, dependendo de contextos e de quem está ao leme dos destinos do país, mesmo que tenha incorporados os ideais soberanistas.
Quer no caso do médico que está ligado a direitos positivos constitucionais e ao Estado, quer o agricultor que não está tão ligado a direitos positivos constitucionais e ao Estado, existem benefícios com a existência de fóruns e poder para influenciar a decisão do poder político face ao setor em que operam. No caso dos trabalhadores privados que se esforçam para cumprir a lei, mesmo que não tenham uma envolvência comercial direta com o Estado, também beneficiam da existência de bons padrões e ética.
Além disso, beneficiam com o networking institucional que poderá abrir mais portas ao debate sobre o desenvolvimento interno de cada setor e a criação de ligações cooperativas entre agentes do próprio setor, resultando nos benefícios acima elencados sobre a gestão e alocação de recursos para uma produção mais eficiente.
Por último, nas atividades privadas onde há viabilidade sem a existência das Ordens, deve-se encarar esta mudança com o objetivo de apoiar e beneficiar quem participa, sem impedir a atividade a quem não faz parte da Ordem. Num cenário de baixos impostos e de maior liberdade de mercado, o empreendedor ambicioso por conta própria só ganhará em participar da comunidade setorial. Adicionalmente, só seria possível concretizar (realisticamente) o fim do salário mínimo nacional, algo que os liberais e libertários querem, num novo contexto onde o trabalhador não está atomizado.
Em países como a Dinamarca e Noruega, a taxa de sindicalização é superior a 50%. No caso da Dinamarca, o sistema de Ghent faz com que a estrutura sindical do trabalhador assuma a principal responsabilidade pelos pagamentos da segurança social, tal como os subsídios de desemprego, e não pelo Estado. As Ordens poderiam propor-se a este modelo se assim entendessem, dando mais segurança a quem estiver inserido e cumprir com as normas do setor institucionalizado, através de contribuições menores às atuais, como a TSU, e que tornem o sistema operacional a uma escala mais detalhada.
No caso da Suíça, a taxa de sindicalização é o triplo da portugueza mas inferior aos casos nórdicos, porque apesar de também não ter um salário mínimo nacional como na Dinamarca e Noruega, delega ao Estado as funções sociais ligadas ao subsídio de desemprego.
Abordando a realidade política, num cenário mais ambicioso e diferente da atual III República, a representação de Ordens setoriais poderia ser feita numa segunda câmara própria, garantindo que as políticas e debates públicos refletem as especificidades de cada área económica, além de promoverem uma governação mais alinhada com as necessidades e contextos produtivos.
A integração do livre mercado com o corporativismo permite que se crie um sistema de mercado dinâmico acoplado à estabilidade social que temos vindo a perder nas últimas décadas. A liberdade económica incentiva à inovação, enquanto as estruturas corporativas evitam práticas predatórias, como oligopólios ou o já referido dumping salarial alógeno, através da autorregulação setorial e local.
Contudo, é importante ter em conta o desafio de eventuais Ordens poderem ser dominadas por grandes empresas, marginalizando as PME´s ou os trabalhadores menos organizados. Este risco exige mecanismos e proatividade por parte de participantes nos setores económicos nacionais, que finalmente poderiam aproveitar esta oportunidade única para aumentar a sua influência nos destinos do setor onde trabalham.
Finalmente, é preciso ter em atenção que é necessária uma supervisão estatal mínima deste modelo orgânico, dado que as próprias Ordens podem relaxar os padrões éticos em prol de prioridades capitalistas ou ideológicas classistas/identitárias que sejam antagónicas à unidade de futuro nacional e civilizacional. Por esse motivo, auditorias independentes devem ser possíveis, além de vetos nas decisões que coloquem em risco a soberania do país como o endividamento à custa do Estado pela via de défices ou a importação massiva de mão de obra barata, embora, em condições normais, os trabalhadores portuguezes seriam os primeiros a ter o interesse em fazer-se ouvir contra esta prática.
VI
Como já foi subentendido, a mudança de paradigma face ao trabalho carece de uma grande restruturação da mentalidade fiscal do nosso país, e para a reforma fiscal precisamos de uma grande mudança. Não basta só dizer que se quer uma economia setorialmente orgânica com menos legislação e burocracias (no geral). É preciso mudar a cultura fiscal.
De forma a cumprir com essa necessidade, acredito que os princípios georgistas se aproximam do ideal. O georgismo é uma forma de pensar a economia e o uso da terra, na teoria económica desenvolvida por Henry George no final do século XIX, cujo livro "Progress and Poverty" (1879) popularizou o conceito de imposto único, centrando-se na crença de que a terra deveria ser propriedade pública e que o seu valor deveria ser tributado para financiar o governo e os serviços públicos.
Entre o século XVII e XVIII, a Escócia e a Inglaterra implementaram impostos sobre o valor da terra, através do Land Tax. Este imposto era baseado no valor da terra ou renda, mas não era uniforme em todo o território.
No século seguinte, os dois países sofreram uma revolução industrial e passaram de potências europeias médias ao maior império da história. Coincidência? Talvez, mas vai ao encontro da teoria georgista. Curiosamente, quando a Grã-Bretanha saiu do imposto sobre a terra e adotou os impostos sobre o rendimentos e vendas, tornou-se decadente.
Devido às atuais emergências demográficas, é urgente mudarmos o nosso sistema económico e fiscal de forma a que compense trabalhar e investir, algo que não existe em várias partes da nossa civilização (Portugal incluído). É necessário diminuir o peso do imposto no trabalho dos trabalhadores, pois só assim o trabalho compensará permitirá a criação de uma família.
Não é muito conhecido atualmente, mas muitas das nossas maiores corporações e indivíduos mais ricos, obtêm o seu poder através do controlo de algum recurso ou privilégio não reproduzível. A McDonald's aluga propriedades, a Microsoft é uma enorme proprietária de propriedade intelectual, o Facebook vende os dados dos seus utilizadores e muito mais casos podem ser enunciados.
Estas empresas escondem-se sobre a impressão comum de que geram a sua riqueza principalmente através do trabalho e vendas de produtos, mas, na verdade, acumulam o seu poder através da extensão de propriedade, recursos naturais ou privilégios legais. Se existisse um pagamento direto, incapaz de fugir por meandros legais, comprovável pela dimensão da ocupação das propriedades destas grandes empresas, que, por norma, ocupam grandes dimensões de forma direta ou indireta (através de filiais), o capital centralizado seria descentralizado e abriria espaço no mercado (liberdade de facto e não apenas na teoria) para novos agentes competirem.
Esta tendência será acompanhada por outros vetores de descentralização, como o cripto que pode vir a eliminar o monopólio na oferta de moeda, como foi referido na I parte deste capítulo.
A tributação da riqueza não criada permite a libertação da tributação face à riqueza criada, ou seja, zero impostos sobre o trabalho. Assim, qualquer pessoa consegue sair da pobreza se trabalhar para tal, muito diferentemente da atual ilusão de mérito e recompensa, onde quanto mais se trabalha mais se paga e não há capital que torne os indivíduos e as famílias suficientemente soberanos perante um sistema financeiro que vive à custa de dívidas.
Passando para uma aproximação crítica, algo como o qual discorda no georgismo é a defesa de uma tributação ajustada ao valor de uma propriedade. Conceptualmente, o valor da renda é o valor que o segundo utilizador mais eficiente disponível da terra estaria disposto a pagar, continuamente, para utilizar a terra no lugar do utilizador mais eficiente disponível. Neste sistema, é preservada a noção de custo de oportunidade e a perda de todos aqueles que não utilizam rentavelmente e sustentavelmente a sua propriedade.
Ora, os georgistas argumentam que o sistema está livre do risco de divergir para avaliações arbitrárias através de correções baseadas no comportamento do mercado. Ainda no campo da teoria, a terra é de propriedade comum e esta é a base para o LVT (Land Value Tax), ou Imposto do Valor de Terreno, mas, na prática o LVT baseia-se principalmente no valor de uma venda da propriedade privada.
Eu discordo pois é bastante relativo. No meu entender, é necessária uma âncora mais absoluta e menos dependente do governo para avaliar o preço. A perspectiva deve incluir as necessidades financeiras do Estado e adaptar-se à realidade localista/municipalista, algo que já defendemos nesta série, devido a ser uma unidade política mais ajustada para mudarmos o atual paradigma centralista no privado e no Estado.
Portanto, rejeito a praxis georgista, mas defendo que devemos procurar substituir o máximo de impostos e taxas possíveis pelo menor número de impostos possível, pois realisticamente seria muito difícil extinguir um imposto como o IVA.
Este LVT seria idêntico ao IMI, no entanto, o IMI portuguez é absurdo por penalizar a melhoria das propriedades e por ter um adicional (ao IMI) num contexto de grandes impostos. Aqui, não é a propriedade vertical que está em causa. É a quantidade de terreno soberanamente protegida pelo Estado e que é explorada ou utilizada por indivíduos que deverão contribuir, sejam indivíduos, famílias ou empresas.
Por este motivo, grandes empresas de franchising que têm uma grande participação no mercado imobiliário teriam um shift de incentivos, dado que passaria a compensar faturar mais pelo serviço e trabalho do que pela manipulação ou venda de imóveis.
Uma adoção dos ideais georgistas não seria fácil. A melhor forma seria extinguir o IMI e substituir por um Imposto Terreno, que começaria muito baixo, mas aumentaria lentamente ao longo dos anos enquanto se reduziam e eliminavam outros impostos como o IRS e o IRC, o que traria mais investimento, mais empregos e consequente consumo capaz de aumentar a riqueza nas famílias trabalhadoras com capacidade de poupar.
Uma consequência direta seria a diminuição do tempo que os portuguezes necessitam para deixar de trabalhar para o Estado. Hoje, o portuguez médio trabalha meio ano para pagar impostos ao Estado e só depois é que acumula o suficiente para as suas despesas e pouco ou nada consegue poupar para si.
Este sistema é tão direto e previsível sobre quem “ocupa o quê” e não “quem fez ou trabalhou o quê”, que a fuga não só é sistemicamente mais difícil, como é menos atrativa pela curva de Laffer. Ao diminuir o esforço fiscal e compensar mais pagar por ser mais complexo fugir e o imposto ser menor, isto faz com que o Estado acumule mais receita e o peso seja menor por família/indivíduo.
O grande desafio deste sistema, é verificar como deve equilibrar o gasto dos portuguezes em diferentes realidades.
Por exemplo, um pensionista pobre não deveria pagar este imposto, dado que o Estado estaria a pagar uma pensão para no mesmo dia receber uma parte em receita. Contudo, existiria o desafio de não permitir que os pensionistas sejam utilizados para fugir a impostos. O baixo pensionista com pequenas prioridades está, naturalmente, num patamar que obriga o Estado a ter uma relação diferenciada face ao pensionista que recebe o dobro da média e com propriedades mais impactantes no território.
Noutro caso, o tipo de propriedade no litoral é diferente do interior, dado que num lado se privilegiam propriedades mais pequenas e no outro mais extensas, com fins económicos distintos. Um prédio com 20 andares de escritórios comerciais que ocupe 6.000 m2, participa em negócios de milhões de euros e um terreno de 100.000 m2 no interior pode gerar apenas algumas dezenas de milhares de euros anuais.
Este problema acontece pela ausência de produção sustentada em capital fixo, moderno, futurista e compatível com as atuais infraestruturas do país, mas mesmo num cenário melhor, é compreensível que a taxação por m2 nos diferentes cenários teria de ser muito diferente, de forma a não penalizar o interior já esquecido.
Estes asteriscos na ideia basilar são importantes para não existirem ilusões utópicas face aos desafios de tal mudança. O maior desafio seria a própria reforma do Estado, que teria de se esforçar em melhorar o reconhecimento da sua própria realidade territorial a nível local, regional e nacional, criando mecanismos que impeçam o desconhecimento face a quem é proprietário, do quê, e, ainda mais importante, o que é do Estado.
Como podemos constatar, o gradualismo desta reforma é forçado pela necessidade de assegurar diferentes etapas.
Sim, porque a propriedade do Estado (terrenos, casas, estradas) deve ser redistribuída pelo máximo de agentes possível de forma a garantir a coesão e manutenção do território nacional. A tarefa da manutenção da propriedade pública deve ser transferida para o nível local, com exceção de infraestruturas de cariz nacional, como um aeroporto (por exemplo). Este mecanismo incentiva o Estado a ter menos propriedade pública inútil e não rentável, além de tocar diretamente na consciência dos cidadãos que agora participam num sistema muito mais simples de entender (em comparação com o atual).
Estas questões técnicas não poderão ser aprofundadas neste capítulo devido à extensão a que obrigam, mas os princípios gerais são estes e representam uma abrupta mudança face ao sistema atual.
VII
O contrato social seria amplamente afetado neste cenário e eu sou da opinião que o Soberanismo deve criar uma nova dinâmica como alternativa.
A despesa do Estado teria de ser diferente e ajustada ao novo sistema fiscal, com a consciência de que um povo soberano não pode estar à espera do Estado para tudo. No máximo, o Estado deve ter um papel supletivo dos mercados que são afetados por motivos alheios a quem participa nos vários setores, como a geografia e a decadência demográfica que torna certas atividades insustentáveis em zonas desertificadas. O regresso em massa de emigrantes portuguezes deixa de ser apenas um sonho abstrato e passa a ser uma etapa político obrigatória neste processo.
Com a normal exceção de serviços de segurança, justiça imparcial, forças armadas ou representação externa, todos os restantes serviços prestados pelo Estado são meros serviços num mercado de procura e oferta, seja na água, saúde, habitação, ensino, energia, estradas, etc.
Não é o privado que deve tapar os buracos de um Estado falido, é o Estado que deve pontualmente cobrir as falhas do mercado que não vão de encontro com os interesses do povo portuguez.
A civilização europeia está endividada e presa a um Estado Social insustentável. Se quer ser soberana, Portugal incluído, precisa de assumir que não faz parte do contrato social ter serviços de um Estado social abstrato e eleitoralista. Tem de ter excedentes, dever o menos possível e construir o seu futuro como entender, respeitando as raízes e a existência dos seus povos. A grande maioria dos países desta civilização, onde incluo países como os EUA, Austrália, entre outros que têm uma grande descendência europeia, fez o exato oposto no último século e caminha em direção a um abismo.
Sobre a ideia de contrato social em concreto, eu não assinei o contrato social com o Estado. Não passa de uma elite passivamente tolerada que detém meios coercivos para impor a sua vontade sobre a população e em troca fornece motivos para nós os continuarmos a tolerar após gerirem aquilo que nos cobraram.
Provavelmente, a única forma de eu não ter de pagar um imposto ao Estado constitucionalmente definido por uma ideologia antagónica aos meus valores e dirigido por uma casta política que quer substituir o povo portuguez por mão de obra barata, é ser sem abrigo.
A atual casta política não tem os nossos interesses em primeiro lugar e o Estado é apenas uma ferramenta usada para isso mesmo. Os libertários olham para o Estado como uma entidade maligna, quando na verdade é uma entidade neutra capaz de abstrair uma ferramenta de alocação de recursos materiais e humanos.
Os próprios comunistas, através de Marx, querem acabar com esse Estado nas suas utopias, mas utilizam-no como a arma que é. Usando um chavão dos libertários americanos quando defendem o porte de arma nos EUA, “as armas não matam, as pessoas sim”. É possível usar uma arma e matar um veado para alimento, defender-me legitimamente ou ferir/matar uma pessoa inocente.
Nem todos os cenários são morais, mas seguindo o raciocínio base, a arma não foi a culpada em nenhum deles. O mesmo acontece com o Estado. Eu posso usá-lo para defender o meu povo ou posso usá-lo para o explorar. A atual casta seguiu o segundo caminho, nós, os defensores da Soberania e existência do povo portuguez, teremos de seguir o primeiro.
Concluindo, não queremos um contrato social como narrativa que justifique infantilmente a realidade. Não há “contrato” no Soberanismo, pois a forma como este existe elimina a soberania das famílias que são a célula base do nosso povo . Alternativamente, no Soberanismo existe uma análise realista de que a relação entre o Estado e o cidadão existe com base numa equação que engloba poderes e vontades.
Com ou sem contrato, a defesa da nossa família não é negociável.
Com ou sem contrato, a defesa da nossa família alargada, o nosso povo, não é negociável.
Mas, e se assinássemos? Há um vácuo de teóricos que defendam explicitamente um contrato social fisicamente assinado por vários motivos.
Inicialmente, exigir que cada cidadão assine um contrato social é logisticamente inviável nas grandes sociedades. Mesmo em comunidades pequenas, garantir a participação universal seria um desafio sem praticabilidade.
Depois, um documento assinado pode implicar um acordo estático, enquanto muitos teóricos veem o contrato social como dinâmico, evoluindo (alegadamente) através de processos democráticos ou de vontade geral.
Embora nenhum grande teórico defenda explicitamente um contrato social assinado de forma universal, as seguintes perspectivas são as que mais se aproximam.
O trabalho de Randy Barnett sobre o constitucionalismo contratual enfatiza os acordos explícitos e consensuais como base para uma governação legítima. No seu livro Restoring the Lost Constitution (2004), Barnett defendeu uma ordem constitucional onde os indivíduos poderiam, hipoteticamente, consentir com base no seu interesse próprio racional.
Embora Barnett não proponha um contrato assinado universal, o seu foco no consentimento explícito poderia teoricamente apoiar acordos assinados em sistemas de governação experimentais ou de pequena escala.
Numa microssociedade libertária, como uma plataforma de governação baseada em blockchain, os indivíduos podem assinar contratos digitais para se juntarem a uma comunidade, assemelhando-se a um contrato social. São casos de nicho, não propostas universais por se limitarem a pequenas comunidades voluntárias, e não a sociedades inteiras.
Num posicionamento Futurista, onde cortamos com as convenções do acinzentado “normal”, a ideia de um contrato social assinado materialmente poderia teoricamente emergir numa governação digital, onde a tecnologia Blockchain e os contratos inteligentes permitem acordos formalizados e assinados entre indivíduos de sistemas descentralizados com mais de 18 anos (ou 21 dependendo de opiniões mais tradicionais). Alternativamente, a entidade que garantiria um x número de serviços e direitos em troca do pagamento de impostos e cumprimento das leis, seria o Estado.
Compreensivelmente, essa seria uma equação a ser desenvolvida no futuro.
A meu ver, teria de alinhar a vontade, a tecnologia e o poder político, balançando os direitos e deveres atrelados a uma dinâmica temporal dependente da evolução da nossa Soberania enquanto junção de elementos como a dívida, o QI coletivo e a nossa saúde demografia nacional. Quanto maior o número da soberania, menores necessitariam de ser os direitos e deveres no contrato, ou seja, o peso do poder político no contrato que continua a depender da vontade e da tecnologia.
Tal equação representaria um corte com o presente empobrecido de esperança, mas, numa altura em que Portugal e a Europa estão às portas da morte se nada abanar, o que temos a perder?
Nota: o autor escreve portuguez em vez de “português”
Capítulo 1: Soberanismo
não é Portuguez. é Portvgvez